Resposta ao texto “Blumenau, uma
cidade sem alma”
Li
o texto intitulado “Blumenau, uma cidade sem alma”. Li porque todos estão lendo
e postando – como se todos estivessem concordando. Por isso, eu li, pois temo
tudo o que é consensual. Costumo desconfiar do que recebe plena aprovação. Desconfio
muito daquilo que é recebido sem críticas, sem reflexão. Esse é meu papel de
cidadã “projeto de escritora”.
Inicialmente,
parte de mim ficou bastante dividida – afinal, depois de um título tão
afirmativo como aquele, cria-se um clima propício para a aceitação. Sim, há
partes no texto que consigo concordar: como com a parte sobre motoristas
reclamarem da rota de lazer aos domingos – pensando que seus carros devem ter a
preferência todo o tempo, inclusive aos domingos. Concordo com alguns pontos
outros... contudo, quando fui provocando a mim mesma, de repente, percebi a
gravidade do adjetivo dado logo no título – sem contar a puxação de saco para
com o que é “europeu” e “desenvolvido”.
Vejam!
O texto acusa Blumenau de ser sem alma e o (a) próprio (a) autor (a) a compara, o tempo
todo, a outras cidades: “Londres, Milão, Estocolmo, Sydney, Cingapura e
Santiago”, nesta ordem. Como assim!? Se o imperativo parece ser “tenha alma”,
como é possível compará-la, pedir “seja mais assim, como tal cidade”.
Totalmente contraditório. Então o problema é ela se inspirar em arquitetura e
bebida alemã, enquanto deveria copiar outros aspectos, de outras cidades? Bem,
cópia, ainda assim cópia.
Em
verdade, o texto já começa citando um francês, dando a entender algo como “não
fui eu que apelidei a cidade assim, foi um francês”. Oh, grande coisa! UM
FRANCÊS! Francês esse sem a mínima noção do que é cultura. Um francês inspirado
por teorias que buscam pureza das coisas – mesma inspiração dos eugenistas que,
adiante, inspiraram os nazistas? Consigo ver, sem exagero, por traz desse texto,
uma busca pela pureza, ou pior, uma crença na pureza: “se você não é puro,
azar, não tente ser”. Credo, que arcaico. Ainda mais em um mundo globalizado em
que não existe mais nada, absolutamente nada puro e não miscigenado.
Esse
tal francês se esqueceu de uma coisa: toda a cidade tem total liberdade de
criar a imagem que quiser, para ela mesma e para turista ver. Acham que aquele
samba todo que acontece no Rio de Janeiro é o ano inteiro? Aquilo é para
turista ver, como a nossa Oktoberfest não é o ano inteiro. Criamos um “clima”;
vem quem quiser – durante a Oktoberfest e no resto do ano. Por isso que digo
que Blumenau tem alma sim. Já viram alguma cidade sem alma atrair turistas?
Você iria visitar alguma cidade na qual não houvesse nada que atraísse seus
sentidos – olhos, paladar e o próprio estado de espírito. É preciso muita alma
para isso.
Farei
uma comparação. São Paulo tem um bairro como o da Liberdade. Isso e ilegal? É
errado? É uma cultura sendo adorada de forma totalmente descontextualizada,
certo? Afinal, não sendo no Japão, já é descontextualizada. Já é cultura fora
do seu lugar de origem, correto? Por qual motivo lá isso é lícito e aqui não?
Não tenho explicações, apenas uma hipótese. A primeira delas é que o povo daqui
ainda tem mania de se diminuir, em vez de se orgulhar do que tem, fica se
autodepreciando; um artigo, como ao que me refiro, é uma forma de autodepreciação. A segunda
ideia que tenho é que em SP tudo se dilui – por suas extensões, tudo lá é “só
um pedacinho” – um cantinho da cidade é japonês, outro cantinho é italiano. Agora,
um pedacinho da Alemanha dentro de Blumenau ganha proporções gigantescas
exatamente porque a cidade é pequena, qualquer coisa aqui ganha ênfase, não há
espaço para a coisa diluir. Acaba parecendo que estamos tentando ser o que não
somos. Já os paulistas não; eles têm um pedacinho do Japão e lá é lindo! Lá
eles não estão tentando ser o que não são.
Ter
a Vila Germânica, alguns outros prédios enxaimel e realizar a Oktoberfest faz
com que a cidade esteja tentando ser uma cidade propriamente alemã? Sério
mesmo? Estamos tentando e esqueceram de me avisar para eu tentar também.
OK,
voltando um pouco mais ao texto. Adiante, o próprio texto muda um pouco de
assunto, esquecendo-se do título – que parecia tratar do “roubo” que fizemos
das características das cidades alemãs – e começa a abordar as problemáticas da
cidade: trânsito, compra exacerbada de veículos, passeios que se limitam às
calçadas, entre outros elementos. Pergunto: não seria essa a própria alma da
cidade? A meu ver, são todas essas características, boas e más, que formam a
alma, o “ar”, a rotina, a vida da cidade. São elementos constituintes e raras são as cidades que fogem desses elementos. Se não ter alma é ser “comum”,
digo que nisso Blumenau é sem alma: não é privilégio algum de blumenauenses
conviver com essas problemáticas.
Quando
sinto que essas críticas correspondem a uma preocupação real para com as mazelas,
com as problemáticas da cidade, acho-as superinteressantes e válidas. Quando
sinto que as críticas são feitas para classificar, nomear, separar o joio (nós)
do trigo (os europeus), aí sim, está feito o entrevero – ups, roubei uma
expressão gaúcha, espero que isso não seja proibido.
Falando
em gaúchos, eles me desculpem, terei que fazer uso de uma comparação. A cultura
“gaúcha” é de fato gaúcha, ou é um amontoado de cópias das cidades
fronteiriças? O chimarrão? E aquelas roupas? E aquele sotaque? Gente, a maior
contradição que existe em território brasileiro, a meu ver é esse: gaúchos
comemorarem a tentativa (falha) de se separarem do Brasil (20 de setembro, data do início da
Revolução Farroupilha) e, ao mesmo tempo, não deixarem de comemorar o 7 de
setembro!!! Como assim? Deveriam – para serem puros e coesos – deixar de comemorar
uma data que é bem brasileira; deveriam deixar de ter uma “alegria brasileira”,
que é a independência!!
Assim
sendo, foi péssima a tentativa de dizer que “turismo aqui” é uma ilusão.
Turismo é a arte de bem iludir e atrair. Fazer turismo também é a arte de você
enganar a si mesmo. Quando você vai para as maiores cidades do mundo, você faz
o que todo mundo indica: “vá lá porque lá você vai ver isso”. Quantas pessoas
ousam se infiltrar na vida cotidiana, na vida real dos moradores locais? Posso
dizer que essa seria a única maneira de fazer turismo sem se iludir. Quando
turistas vêm à minha cidade, eles não me acompanham até o meu trabalho, não
jantam na minha casa, não pegam o busão que todo mundo pega. Se a obrigação
fosse “ser real”, era isso que os turistas deveriam fazer ao visitar a minha
cidade. Mas ninguém quer o real ao viajar. Cada um vai até o que quer ver e
ignora o que não parece atrativo.
Considero
o texto sobre Blumenau uma tentativa de encaixar as coisas em suas gavetas:
“isso não é dessa gaveta, não sendo, não é nada; nada além de um corpo sem
alma”. Tentativas reducionistas e “engavetacionistas” me tiram do sério. Blumenau
tem todo o direito de homenagear seus fundadores por meio da arquitetura, das festas,
da comida e da bebida enquanto achar que isso é bom. Blumenau pode usar essa
capacidade de criar um ar “alemão” até que queira. Não há ninguém que possa
dizer que isso não é lícito. Enquanto o morador daqui e o turista gostarem da
ideia, ela irá se fortificar.
Apesar
de ter utilizado os gaúchos anteriormente de uma forma não muito adequada
talvez, consigo dizer que aprendi esse orgulho com eles. Morei na capital e não
vi muito lá (no presente) de que eles pudessem se orgulhar – eles mesmos me
falavam das suas mazelas do presente. Ainda assim, são um poço de orgulho,
baseados no passado, na história – mesmo que seja uma história de guerra, de
morte, de derrota. Cada cidade/estado vai criar seus motivos para se
orgulharem, para se agarrarem a algumas características. Não há quem possa
dizer que não é lícito. Se eu disser que tenho orgulho, direi que esse orgulho pode ser baseado em presente, em beleza, em turismo, em saúde, em dados
estatísticos, em expectativa de vida. Nosso orgulho é muito baseado no que
acontece em nosso presente. Isso, definitivamente, tem muita ALMA, pois isso
sim é raro; analisando o país ou até mais globalmente.
Em
território brasileiro, o que há de sobra é contradição, é miscigenação. Temos
que criar um horror a tudo o que tenha o tom de “vamos buscar a pureza, a
higienização”. Isso me causa um “revertério cerebral”. Sabemos recentemente que
as pessoas que vivem aqui vivem mais que no resto do país; têm mais expectativa
de vida. Sabe-se, há tempos, que só vive mais quem vive bem. Os dados falam,
certo?
Para finalizar, a única coisa que, em absoluto, faria com que eu acreditasse naquele título seria se nós continuássemos a publicar, a postar e adorar um texto como aquele. Precisamos de alma para fugirmos de textos taxativos e repletos de classificações. Temos que manter distância desse tipo de produção “intelectual”. Disso, a nossa cidade não precisa: gente daqui aplaudindo e endossando comentário de estrangeiro.
Para finalizar, a única coisa que, em absoluto, faria com que eu acreditasse naquele título seria se nós continuássemos a publicar, a postar e adorar um texto como aquele. Precisamos de alma para fugirmos de textos taxativos e repletos de classificações. Temos que manter distância desse tipo de produção “intelectual”. Disso, a nossa cidade não precisa: gente daqui aplaudindo e endossando comentário de estrangeiro.
Esse texto é uma resposta a esta publicação: http://www.blumenews.com.br/site/index.php/capa/item/7260-blumenau-uma-cidade-sem-alma
Abraços,
Jeice Campregher