sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Só é o que se vê (entrevista - Sibilia)

Finalmente encontro algo que se aproxima da visão que tenho dos sites de relacionamento - entre eles o blog e o orkut, dos quais faço uso (twitter acho o ápice - não uso). Conheci-a no simpósio internacional O (des) governo biopolítico da vida humana. Abaixo, a entrevista no site do Instituto Humanitas Unisinos.

Boa leitura/reflexão. Vale a pena, afinal, estamos todos, o tempo todo, sendo convidados a ingressar em novas mídias. E uma vez ingressos, somos constantemente convidados a nos "revelar/produzir/fazer do eu um show" (quanto mais tempo conectados, menos tempo vivendo; quanto mais presos ao "eu/imagem", menos somos livres para livre agir e livre SER).

Abraço

***

Para a pesquisadora Paula Sibilia, a popularidade de redes sociais como Facebook, MySpace, Orkut e Twitter se justifica pelo desejo das pessoas de estarem à vista dos outros

Por: Patricia Fachin

Redes sociais como Facebook, Twitter e MySpace são, na opinião da professora do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Paula Sibilia, “compatíveis com as habilidades que o mundo contemporâneo solicita de todos nós com crescente insistência”. Segundo ela, essas ferramentas servem para dois propósitos fundamentais. “Em primeiro lugar, elas ajudam a construir o próprio ‘eu’, ou seja, servem para que cada usuário se autoconstrua na visibilidade das telas. Além disso, são instrumentos úteis para que cada um possa se relacionar com os outros, usando os mesmos recursos audiovisuais e interativos”, explica.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Paula Sibilia reflete sobre as mudanças de comportamento da sociedade contemporânea e afirma que “mudaram as premissas a partir das quais edificamos o eu”. Na atual sociedade do espetáculo, continua, “se quisermos ‘ser alguém’, temos que exibir permanentemente aquilo que supostamente somos”. E dispara: “Esses são os valores que têm se desenvolvido intensamente nos últimos tempos, uma época na qual, por diversos motivos, se enfraqueceram as nossas crenças em tudo aquilo que não se vê, em tudo aquilo que permanece oculto.”

Paula Sibilia é graduada em Ciências da Comunicação, pela Universidade de Buenos Aires (UBA), mestre na mesma área, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e doutora em Saúde Coletiva, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, é professora no Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Entre suas obras, citamos O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002) e O show do eu (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008). Em 2008, ela participou do Simpósio Internacional Uma sociedade pós-humana? possibilidades e limites das nanotecnologias, realizado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que redes sociais como Facebook, Orkut, Twitter e Myspace revelam sobre a sociedade contemporânea?

Paula Sibilia - Estas novas ferramentas, que apareceram nos últimos anos e de repente se tornaram tão populares, servem para dois propósitos fundamentais. Em primeiro lugar, elas ajudam a construir o próprio “eu”, ou seja, servem para que cada usuário se autoconstrua na visibilidade das telas. Além disso, são instrumentos úteis para que cada um possa se relacionar com os outros, usando os mesmos recursos audiovisuais e interativos.

Por isso, tanto as redes sociais como Orkut, Facebook, Twitter ou MySpace como os blogs, fotologs, YouTube e outros canais desse tipo que hoje proliferam na internet são perfeitamente compatíveis com as habilidades que o mundo contemporâneo solicita de todos nós com crescente insistência. E uma dessas capacidades que tanto se estimula que desenvolvamos é, precisamente, a de “espetacularizar” a nossa personalidade. O que significa isso? Tornarmos-nos visíveis, fazer do próprio “eu” um show.

Este fenômeno responde a uma série de transformações que têm ocorrido nas últimas décadas, que envolvem um conjunto extremamente complexo de fatores econômicos, políticos e socioculturais, e que converteram o mundo em um cenário onde todos devemos nos mostrar. Se quisermos “ser alguém”, precisamos exibir permanentemente aquilo que supostamente somos. Nos últimos anos, portanto, têm cristalizado uma série de transformações profundas nas crenças e valores em que nossos modos de vida se baseiam, e a “espetacularização do eu” faz parte dessa trama.

IHU On-Line – Que novos modelos de relações se configuram através das redes sociais? A senhora acredita que as relações ganham um novo sentido?

Paula Sibilia - Uma das manifestações dessa mutação que tem ocorrido na sociedade contemporânea é a derrubada das fronteiras que costumavam separar o âmbito privado e o espaço público, e que constituíam um ingrediente fundamental do modo de vida moderno. Então, junto com essas mudanças que se consumaram nos últimos anos, também se reconfigurou a maneira com que nos construímos como sujeitos.

Mudaram as premissas a partir das quais edificamos o eu, e isso aconteceu porque também se transformaram as nossas ambições e os nossos horizontes. Portanto, não se modificaram apenas as formas de nos relacionarmos conosco, com o próprio “eu”, mas também as relações com os outros. E ferramentas como o Facebook ou o Orkut caíram como luvas nesse novo universo: são extremamente úteis para consumar essas novas metas.

Porque na atual “sociedade do espetáculo” só é o que se vê. Portanto, se algo (ou alguém) não se expõe nas telas globais, se não está à vista de todos — sob os flashes dos paparazzis ou, pelo menos, sob a lente de uma modesta webcam caseira —, então nada garante que realmente exista. Esses são os valores que têm se desenvolvido intensamente nos últimos tempos, uma época na qual, por diversos motivos, se enfraqueceram as nossas crenças em tudo aquilo que não se vê, em tudo aquilo que permanece oculto. “A beleza interior” seria um exemplo. Enquanto isso, de forma paralela e complementar, exacerbaram-se as nossas crenças no valor das imagens, na importância da visibilidade e da celebridade como fins em si mesmos, como metas autojustificáveis, às quais supõe-se que todos deveríamos aspirar.

IHU On-Line – A partir dessas redes sociais, como a senhora descreve o nosso atual modelo de vida?

Paula Sibilia - Há uma necessidade de se mostrar constantemente, que se exacerba por toda parte, embora não tenhamos nada muito importante para mostrar ou para dizer. Os canais interativos da Web 2.0 permitem fazer isso à vontade, facilmente e com baixos custos, de um modo ainda mais eficaz do que os meios de comunicação tradicionais. Porque essas novas ferramentas “democratizam” o acesso à fama e à visibilidade.

Mas o Orkut e o Facebook não surgiram do nada. Ao contrário, as redes sociais apareceram num terreno que já estava muito bem sedimentado para que essas práticas pudessem florescer. Nos últimos anos, temos aprendido a estar conectados o tempo todo. Utilizando as mais diversas ferramentas tecnológicas (celulares, e-mail, GPS etc.), aprendemos a estar sempre disponíveis e potencialmente em contato. Acredito que tudo isso esteja dando conta de um forte desejo de estar à vista dos outros, de sermos observados, mesmo que seja apenas para confirmar que estamos vivos. Para constatarmos que somos “alguém”, que existimos. Sem dúvida, entre várias outras coisas, há muita solidão e vazio por trás de tudo isto.

IHU On-Line – O conceito de intimidade conhecido até então é alterado a partir de programas como Facebook, Twitter, Orkut?

Paula Sibilia - Neste momento, quando tantas imagens e relatos supostamente “íntimos” estão publicamente disponíveis, é evidente que a intimidade tem deixado de ser o que era. Nos velhos tempos modernos, aqueles que brilharam ao longo do século XIX e durante boa parte do XX, cada um devia resguardar sua própria privacidade de qualquer intromissão alheia. Isso não se conseguia somente graças às grossas paredes e às portas fechadas do lar, mas também mediante todos os rigores e pudores da antiga moral burguesa.

Agora, porém, a intimidade tem se convertido em um cenário no qual todos devemos montar o espetáculo daquilo que somos. E esse show do eu precisa ser visível, porque se esses pequenos espetáculos intimistas se mantivessem dentro dos limites da velha privacidade — aquela que era oculta e secreta por definição — ninguém poderia vê-los e, então, correriam o risco de não existirem.

É por isso que hoje se torna tão imperiosa essa necessidade de fazer público algo que, não muito tempo atrás e por definição, supunha-se que devia permanecer protegido no silêncio do privado. Porque mudaram os modos de se construir o “eu” e mudaram também os alicerces sobre os quais se sustenta esse complexo edifício.

Por isso, se as práticas que eram habituais naqueles tempos (como o diário íntimo e a correspondência epistolar) procuravam mergulhar no mais obscuro de si mesmo para ter acesso às próprias verdades, nestes costumes novos a meta é outra e bem diferente. No Orkut ou no Facebook, é evidente que o que se persegue é a visibilidade e, em certo sentido, também a celebridade. Ambas como fins autojustificados e como metas finais, não como um meio para conseguir alguma outra coisa e nem como uma consequência de algo maior.

IHU On-Line – Que futuro a senhora vislumbra a partir dessas redes sociais na internet? A sociedade tende a mudar ainda mais seus hábitos e comportamentos?

Paula Sibilia - Sobre o futuro, feliz ou infelizmente, é pouco o que posso dizer. Mas acredito que já seja possível fazer algumas avaliações sobre as implicações destas novidades. Por um lado, estamos perdendo a possibilidade de nos refugiarmos em toda aquela bagagem da própria interioridade, que oferecia uma espécie de âncora ou um porto seguro para cada sujeito, que acolchoava seu “eu” contra as inclemências do mundo exterior e contra o inferno representado pelos outros.

Por outro lado, também é claro que ganhamos algumas coisas: uma libertação daquela prisão “interior”, ao se esfacelar essa condenação a ser “você mesmo”, aquela obrigação de permanecer fiel à interioridade oculta, densa e muitas vezes terrível que amordaçava os sujeitos modernos.

Outro problema que surge com estas novidades, no entanto, é que os tentáculos do mercado se desenvolveram de um modo que teria sido impensável algumas décadas atrás, e que hoje chegam a tocar todos os âmbitos. Agora, nos inícios do século XXI, tanto as personalidades como os corpos podem se converter em mercadorias que se compram, se alugam, se vendem e depois se jogam no lixo.

Numa sociedade tão espetacularizada como a nossa, a imagem que projeta o “eu” é o capital mais valioso que cada sujeito possui. Mas é preciso ter a habilidade necessária para administrar esse tesouro, como se fosse uma marca capaz de se destacar no competitivo mercado atual das aparências. Hoje, o espírito empresarial contamina todas as instituições e se impregna em todos os âmbitos, inclusive nos mais “íntimos” e recônditos, e o mercado oferece soluções para qualquer necessidade ou desejo. Além disso, sempre será possível (e inclusive desejável) mudar de “perfil”, atualizando as informações pessoais ou alterando suas definições para melhorar a cotação do que se é. Seja no mesmo Orkut ou Facebook, ou então migrando para um novo sistema apresentado como bem melhor do que o anterior, mais atual e dinâmico, daqueles cujo surgimento e cujo sucesso potencial não cessam de ser anunciados.


Site: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2497&secao=290

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Salão de Beleza - Zeca Baleiro

De volta a Blumenau: de volta ao blog. Congresso foi per-fei-to! E Porto Alegre estava "um amor".

Novamente mudando o clima daqui, venho eu com Zeca Baleiro. Artista sem igual (fez Letras, não é de admirar que seja tão bom - :p). A música dele tem letras muito boas, poéticas, com o uso de figuras de linguagem - letras que tem de ser analisadas, que requerem atenção para perceber a sutil arte de falar pouco dizendo muito. E a música dele também tem bom/bons ritmo (s): valoriza batidas dançantes do norte de nosso país. Vale a pena estudar um pouco esse músico/poeta.

Abaixo, a valorização da beleza - diferente daquela beleza vendida em comerciais (achei demais o Zeca dando uma de Marilyn Monroe - que figura! Adoro figuras esquisitas/estranhas - já disse isso?).

Bom proveito!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Simpósio Internacional (uhuuuuuul)

Um sonho realizado: participar de um congresso/simpósio que Foucault seja o tema principal. Gente, que tudoooooooooooooooooooooooooo. Bem, ainda não é um sonho realizado, masssss... vai ser na semana que vem, em São Leopoldo, do ladinho de Porto Alegre (onde meu amor está fazendo mestrado em Design). Bah, que casal estudioso esse, hein!?

O (des) governo biopolítico da vida humana. Que nome líndo. Poético. Bah, tudo com Foucault fica lindo.

http://www.unisinos.br/eventos/des_governobiopolitico/

Abraços a todos!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O poder do Discurso: produzir a diferença.

Finalmente consigo atualizar o blog pessoafucoteando com algo escrito por mim. Espero que alguém se interesse. Começo perguntando: Já assistiram Terráqueos? Já assistiram A Carne é fraca? Já assistiram Racismo: a história (produzido pela BBC)? O que eles tem em comum?

Quanto aos dois primeiros, é possível fazer aproximações mais facilmente. Terráqueos, ao meu ver, mostra como todos nós, todos os seres que habitam este planeta são/somos terráqueos. Mostra, ainda, como nós humanos estamos acostumados a associar “terráqueos” somente com nossa existência – a forma de vida chamada humana. O documentário mostra que isso é um engano. E vai além. Mostra como nós terráqueos humanos fazemos uso de outros terráqueos, sem pena, sem ética, sem limites, sem hesitações – como se todos os outros terráqueos fossem coisa e propriedade do superterráqueo, o homem. Esses usos são mostrados a sangue frio, sem discursinhos suavizadores – afinal, todos temos justificativas para continuar a comer carne, a continuar a vestir couro, a continuar com práticas como tourada e rodeio. Enfim, sempre há discursos para continuarmos em nossa zona de conforto, enunciados aos montes para justificarmos nossos prazeres. Em resumo, o documentário Terráqueos põe em xeque a supremacia do homem e promove um tremendo susto em quem nunca havia pensado nos outros seres vivos como outros terráqueos – com direito à vida, como nós humanos temos. Quem se nega a assistir, a meu ver, se nega a pensar sobre o lugar onde vive, sobre sua própria existência e sobre seu lugar em relação ao Todo. Quem foge, quem nega a si a chance de se abrir para outras perspectivas, a meu ver, deveria pedir: pare o mundo porque eu quero descer. Quem está aqui tem o compromisso ético com o planeta e com a existência.

O documentário A carne é fraca vai mais para o lado da alimentação, do vegetarianismo, de apresentar razões para não comermos carne (opa, deixa eu trocar essa palavra “carne”, que dissimula, suaviza a real que é “comer outros terráqueos, comer outros seres, comer seres que não fazem mal algum ao ser humano ou, pelo contrário, fazem muito bem, como as vaquinhas que dão leite a vida toda e, no final da vida, são comidas” – o ser humano é muito ético mesmo, sabe ser grato). Enfim, os dois documentários citados se ligam mais facilmente: falam dos animais e da posição de supremacia que o humano assumiu ao longo da história.

Agora o terceiro é um pouco mais difícil fazer a ligação automaticamente. Vou ver se consigo expor a ligação que vejo. Como parte da comemoração do bicentenário da Lei de Abolição ao Tráfico de Escravos (1807), a BBC, dentro da chamada "Abolition Season", exibiu uma série composta por três episódios, independentes entre si, abordando a história e os aspectos do racismo pelo mundo. São eles: "A Cor do Dinheiro", "Impactos Fatais" e "Um Legado Selvagem". O episódio que vi foi “Impactos Fatais”, que fala de como o homem foi/é o lobo do homem. Mostrou como na história da humanidade podemos observar humanos construindo discursos sobre si, colocando-se como superiores e, ainda, construindo o outro, o diferente, o menos “belo”, o estranho, o de cor diferente, enfim, como inferior, como objeto de saber – um objeto que nós (brancos, puros, inteligentes) podemos conhecer, podemos, sobre eles, emitir juízo de valor. Sempre que a ciência se debruça sobre um objeto do saber, sinto dizer aos iludidos: ela não o descobre, ela o constrói. Quando os homens se puseram a falar, a definir, a qualificar/desqualificar, a emitir um discurso com status de verdade acerca de outros humanos, estes foram colocados à disposição daqueles. Já ouviram falar em Darwinistas Sociais? Utilizaram a teoria da evolução de Darwin para afirmar que: quando uma raça perde para outra (ou um grupo com certas características perde para outro, com outras), isso é algo natural, é porque existe a lei do mais forte. E, com isso, ninguém mexia nada para preservar as raças, os grupos que foram exterminados em nossa história. Por conta dos Darwinistas Sociais e, também, dos eugenistas (quando descobri, neste documentário, de Bernard Shaw era um eugenista, fiquei profundamente decepcionada) muitos massacres foram legitimados. Os eugenistas procuravam mecanismos para branquear as populações, acreditavam que, quanto mais branco, mais pura a raça seria – lembram de Hitler? Lembram da política de branqueamento que trouxe italianos e alemães para o Brasil? A ideia de fundo era a mesma.

Tá, mas, o que esse último documentário tem a ver com o primeiro? Talvez o leitor já tenha feito a associação. Os vegetarianos certamente já o fizeram. O mesmo poder que o discurso tem de diferenciar os humanos, de fazer com que uns sejam mais, melhores, mais puros que outros, enfim, esse mesmo poder que o discurso tem, também pode ser observado quando nós humanos produzimos discursividades acerca dos animais. Lembrando que não os conhecemos, jamais conhecemos um objeto do discurso, nós o construímos – assim como construímos o que os negros foram/são, assim como construímos o que o louco é, assim como produzimos discursos sobre a sexualidade, assim como produzimos discursos sobre alunos/jovens/crianças/adolescentes, enfim, da mesma forma produzimos discursos sobre os animais. Se construímos discursividades com relação a quem podia falar (negros, escravos, gays, pobres, população de países sub-desenvolvidos, índios, mulheres, homens...), imaginemos a facilidade de construir discursividades acerca de quem não pode falar (animais). Toda uma discursividade a serviço de empresas que lucram incrivelmente com esse mercado carnívoro, com emissoras que lucram com a propaganda, com a moda que lucra com o couro – acha que vai ver o discurso vegetariano em qualquer lugar? Acha que tal discurso tem meios para infiltrar em todos os lugares? Não, para esse discurso sobram lugares alternativos: sites, blogs – vindo de gente que não vai perder nada com isso.

Tenho pavor de Darwin, acho que foi o primeiro a começar com essa ideia de evolução – só a palavra “evolução” já presta um desserviço: traz a ideia de que o último a ser formado nessa cadeia evolutiva, ou seja, o humano, é o melhor, é o mais evoluído, é o que se aproxima mais da perfeição; logo, se somos o topo, todos os outros terráqueos ficaram no meio do caminho. Já notaram que colocamos o macaco como uma das espécies mais inteligentes? Será que isso não se deve ao “fato” de ela vir logo antes da gente na tal cadeia? (outra forma de nós nos auto-elogiarmos). Ai, minha nossa, por isso adoro a frase de Pessoa: “pobre vaidade de carne e osso chamada homem”. Muito do que criamos é para alimentar nosso ego.

Voltando ao assunto, depois de Darwin, o segundo que tenho mais pavor é Descartes, com o “penso logo existo”. Estava aí instaurado o império do pensar: a ideia de que o pensar é o que nós distingue das outras espécies, só o homem pensa – e oh, como é superior ter a capacidade superiora de pensar de forma superior (todas as hipérboles e pleonasmos não são o bastante para descrever o quanto nos achamos superiores por pensar, oh, pensar! Que lindo pensar!). Tenho horror a essa supremacia de achar que pensamos. Quem disse que os animais não pensam? Qual a metodologia utilizada para chegar a essa conclusão? Eles pensam sobre outras coisas, oras! Pensam em comida, pensam em sobrevivência. Não pensam em formas de ostentação, formas de conseguir o que não se precisa, formas de como ter mais e mais e mais.

Nós pensamos na preservação de “me, myself and I”, ou da família, ou dos mais semelhantes (do nosso grupinho). Mas não pensamos no planeta enquanto morada e que, sem ela, estamos lascados. Não pensar nisso é não pensar, sorry.

Mas, não comer carne ajuda tanto assim? Sério? Ajuda realmente à preservação do planeta? Respondo: pesquise, veja os dois documentários citados. Veja outros. Esses dias via um documentário sobre a água que, nas considerações finais, falava algo como: carnívoros insaciáveis são grandes responsáveis pela aceleração no efeito estufa (pelos puns que os bovinos soltam). Nem esperava ver nada sobre consumo de carne naquele documentário, mas apareceu. É só estar atento e unir os pontos.

Não comer carne é o menor “sacrifício” que você poderia fazer. Se não consegue abrir mão de um prazer que sua língua dá a você, filho(a), então, acho que você não é capaz de fazer nada – esse é o menor dos esforços necessários, tenha certeza. Se não conseguir algo assim, então, o dia que a humanidade tiver que abrir mão de sistema de esgoto (jogar dejetos em água doce – que deveria ser só para beber), abrir mão de toda ou quase toda energia elétrica, abrir mão de consumo descabido de roupas; se esse dia chegar, acho que vai haver um suicídio em massa, pois ninguém vai conseguir abrir mão desses prazeres.

Para não estender muito. Só quis mostrar documentários que apresentam o poder que o discurso promove (efeito de poder, diria Foucault). De humanos com relação a outros, de humanos com relação a outras espécies, enfim, um sujeito que sabe/conhece e outro é que conhecido/objeto.

Também estou produzindo ou reforçando discursividades – não que meu texto seja livre disso, seja neutro, não tenha ideais. Ele também esta a serviço de algo. Mas me alegra saber que não está a serviço de lucro e ostentação. Penso ou desejo que ele esteja a serviço de uma existência mais ética, de mais respeito a tudo o que é vivo – em nome também da preservação de nós mesmos. Quanto a isso, temos muito o que aprender com os orientais, com o budismo, com o hinduísmo, enfim, com discursividades que saem, que pulam fora da ideia de humanos como seres superiores, mais inteligentes, mais evoluídos. Penso que seja a hora de aprendermos com discursividades que buscam uma comunhão do homem com a breve experiência que se chama vida e com tudo o que vive. Nenhuma vida vale mais que outra. Afinal, como diria Fernando Pessoa: “Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo... A seiva da seiva das árvores é a mesma energia [...] A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna, A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso [...]”.

Jeice Campregher

P.S.: Sugiro que comecem pelo filme A carne é fraca. Porque Terráqueos, tirando a parte um no youtube, que é belíssima, é o pior filme de terror que eu já vi. Filmes de terror Chinês ou de hollywood para quê? Todos os dias o homem promove, em seus abatedouros, as piores cenas de terror! Vai se negar a ver? Vai se negar a ver o que sua alimentação ajuda a promover? Conscientize-se! Fechar os olhos não ajuda em nada. Seu consumo estimula a produção/morte/dor. Todo comércio é movido por demanda.

* TERRÁQUEOS * - Parte - 1 de 9.

A Carne é Fraca - parte 1/6

Racismo 2/3 - Impactos Fatais 1/6