quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Resposta ao texto “Blumenau, uma cidade sem alma”

            Li o texto intitulado “Blumenau, uma cidade sem alma”. Li porque todos estão lendo e postando – como se todos estivessem concordando. Por isso, eu li, pois temo tudo o que é consensual. Costumo desconfiar do que recebe plena aprovação. Desconfio muito daquilo que é recebido sem críticas, sem reflexão. Esse é meu papel de cidadã “projeto de escritora”.
            Inicialmente, parte de mim ficou bastante dividida – afinal, depois de um título tão afirmativo como aquele, cria-se um clima propício para a aceitação. Sim, há partes no texto que consigo concordar: como com a parte sobre motoristas reclamarem da rota de lazer aos domingos – pensando que seus carros devem ter a preferência todo o tempo, inclusive aos domingos. Concordo com alguns pontos outros... contudo, quando fui provocando a mim mesma, de repente, percebi a gravidade do adjetivo dado logo no título – sem contar a puxação de saco para com o que é “europeu” e “desenvolvido”.
            Vejam! O texto acusa Blumenau de ser sem alma e o (a) próprio (a) autor (a) a compara, o tempo todo, a outras cidades: “Londres, Milão, Estocolmo, Sydney, Cingapura e Santiago”, nesta ordem. Como assim!? Se o imperativo parece ser “tenha alma”, como é possível compará-la, pedir “seja mais assim, como tal cidade”. Totalmente contraditório. Então o problema é ela se inspirar em arquitetura e bebida alemã, enquanto deveria copiar outros aspectos, de outras cidades? Bem, cópia, ainda assim cópia.
            Em verdade, o texto já começa citando um francês, dando a entender algo como “não fui eu que apelidei a cidade assim, foi um francês”. Oh, grande coisa! UM FRANCÊS! Francês esse sem a mínima noção do que é cultura. Um francês inspirado por teorias que buscam pureza das coisas – mesma inspiração dos eugenistas que, adiante, inspiraram os nazistas? Consigo ver, sem exagero, por traz desse texto, uma busca pela pureza, ou pior, uma crença na pureza: “se você não é puro, azar, não tente ser”. Credo, que arcaico. Ainda mais em um mundo globalizado em que não existe mais nada, absolutamente nada puro e não miscigenado.
            Esse tal francês se esqueceu de uma coisa: toda a cidade tem total liberdade de criar a imagem que quiser, para ela mesma e para turista ver. Acham que aquele samba todo que acontece no Rio de Janeiro é o ano inteiro? Aquilo é para turista ver, como a nossa Oktoberfest não é o ano inteiro. Criamos um “clima”; vem quem quiser – durante a Oktoberfest e no resto do ano. Por isso que digo que Blumenau tem alma sim. Já viram alguma cidade sem alma atrair turistas? Você iria visitar alguma cidade na qual não houvesse nada que atraísse seus sentidos – olhos, paladar e o próprio estado de espírito. É preciso muita alma para isso.
            Farei uma comparação. São Paulo tem um bairro como o da Liberdade. Isso e ilegal? É errado? É uma cultura sendo adorada de forma totalmente descontextualizada, certo? Afinal, não sendo no Japão, já é descontextualizada. Já é cultura fora do seu lugar de origem, correto? Por qual motivo lá isso é lícito e aqui não? Não tenho explicações, apenas uma hipótese. A primeira delas é que o povo daqui ainda tem mania de se diminuir, em vez de se orgulhar do que tem, fica se autodepreciando; um artigo, como ao que me refiro, é uma forma de autodepreciação. A segunda ideia que tenho é que em SP tudo se dilui – por suas extensões, tudo lá é “só um pedacinho” – um cantinho da cidade é japonês, outro cantinho é italiano. Agora, um pedacinho da Alemanha dentro de Blumenau ganha proporções gigantescas exatamente porque a cidade é pequena, qualquer coisa aqui ganha ênfase, não há espaço para a coisa diluir. Acaba parecendo que estamos tentando ser o que não somos. Já os paulistas não; eles têm um pedacinho do Japão e lá é lindo! Lá eles não estão tentando ser o que não são.
            Ter a Vila Germânica, alguns outros prédios enxaimel e realizar a Oktoberfest faz com que a cidade esteja tentando ser uma cidade propriamente alemã? Sério mesmo? Estamos tentando e esqueceram de me avisar para eu tentar também.
            OK, voltando um pouco mais ao texto. Adiante, o próprio texto muda um pouco de assunto, esquecendo-se do título – que parecia tratar do “roubo” que fizemos das características das cidades alemãs – e começa a abordar as problemáticas da cidade: trânsito, compra exacerbada de veículos, passeios que se limitam às calçadas, entre outros elementos. Pergunto: não seria essa a própria alma da cidade? A meu ver, são todas essas características, boas e más, que formam a alma, o “ar”, a rotina, a vida da cidade. São elementos constituintes e raras são as cidades que fogem desses elementos. Se não ter alma é ser “comum”, digo que nisso Blumenau é sem alma: não é privilégio algum de blumenauenses conviver com essas problemáticas.
            Quando sinto que essas críticas correspondem a uma preocupação real para com as mazelas, com as problemáticas da cidade, acho-as superinteressantes e válidas. Quando sinto que as críticas são feitas para classificar, nomear, separar o joio (nós) do trigo (os europeus), aí sim, está feito o entrevero – ups, roubei uma expressão gaúcha, espero que isso não seja proibido.
            Falando em gaúchos, eles me desculpem, terei que fazer uso de uma comparação. A cultura “gaúcha” é de fato gaúcha, ou é um amontoado de cópias das cidades fronteiriças? O chimarrão? E aquelas roupas? E aquele sotaque? Gente, a maior contradição que existe em território brasileiro, a meu ver é esse: gaúchos comemorarem a tentativa (falha) de se separarem do Brasil (20 de setembro, data do início da Revolução Farroupilha) e, ao mesmo tempo, não deixarem de comemorar o 7 de setembro!!! Como assim? Deveriam – para serem puros e coesos – deixar de comemorar uma data que é bem brasileira; deveriam deixar de ter uma “alegria brasileira”, que é a independência!!
            Assim sendo, foi péssima a tentativa de dizer que “turismo aqui” é uma ilusão. Turismo é a arte de bem iludir e atrair. Fazer turismo também é a arte de você enganar a si mesmo. Quando você vai para as maiores cidades do mundo, você faz o que todo mundo indica: “vá lá porque lá você vai ver isso”. Quantas pessoas ousam se infiltrar na vida cotidiana, na vida real dos moradores locais? Posso dizer que essa seria a única maneira de fazer turismo sem se iludir. Quando turistas vêm à minha cidade, eles não me acompanham até o meu trabalho, não jantam na minha casa, não pegam o busão que todo mundo pega. Se a obrigação fosse “ser real”, era isso que os turistas deveriam fazer ao visitar a minha cidade. Mas ninguém quer o real ao viajar. Cada um vai até o que quer ver e ignora o que não parece atrativo.
            Considero o texto sobre Blumenau uma tentativa de encaixar as coisas em suas gavetas: “isso não é dessa gaveta, não sendo, não é nada; nada além de um corpo sem alma”. Tentativas reducionistas e “engavetacionistas” me tiram do sério. Blumenau tem todo o direito de homenagear seus fundadores por meio da arquitetura, das festas, da comida e da bebida enquanto achar que isso é bom. Blumenau pode usar essa capacidade de criar um ar “alemão” até que queira. Não há ninguém que possa dizer que isso não é lícito. Enquanto o morador daqui e o turista gostarem da ideia, ela irá se fortificar.
            Apesar de ter utilizado os gaúchos anteriormente de uma forma não muito adequada talvez, consigo dizer que aprendi esse orgulho com eles. Morei na capital e não vi muito lá (no presente) de que eles pudessem se orgulhar – eles mesmos me falavam das suas mazelas do presente. Ainda assim, são um poço de orgulho, baseados no passado, na história – mesmo que seja uma história de guerra, de morte, de derrota. Cada cidade/estado vai criar seus motivos para se orgulharem, para se agarrarem a algumas características. Não há quem possa dizer que não é lícito. Se eu disser que tenho orgulho, direi que esse orgulho pode ser baseado em presente, em beleza, em turismo, em saúde, em dados estatísticos, em expectativa de vida. Nosso orgulho é muito baseado no que acontece em nosso presente. Isso, definitivamente, tem muita ALMA, pois isso sim é raro; analisando o país ou até mais globalmente. 
            Em território brasileiro, o que há de sobra é contradição, é miscigenação. Temos que criar um horror a tudo o que tenha o tom de “vamos buscar a pureza, a higienização”. Isso me causa um “revertério cerebral”. Sabemos recentemente que as pessoas que vivem aqui vivem mais que no resto do país; têm mais expectativa de vida. Sabe-se, há tempos, que só vive mais quem vive bem. Os dados falam, certo?
            Para finalizar, a única coisa que, em absoluto, faria com que eu acreditasse naquele título seria se nós continuássemos a publicar, a postar e adorar um texto como aquele. Precisamos de alma para fugirmos de textos taxativos e repletos de classificações. Temos que manter distância desse tipo de produção “intelectual”. Disso, a nossa cidade não precisa: gente daqui aplaudindo e endossando comentário de estrangeiro.


Abraços,

Jeice Campregher